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O seguro de responsabilidade civil profissional, em linhas gerais, pode ser compreendido como um contrato por meio do qual o médico contrata uma seguradora com o objetivo de proteger o seu patrimônio caso ocorra uma eventual condenação civil por um dano causado a um paciente em decorrência de um erro no exercício de suas atividades. Nesse texto, vamos entender um pouco mais sobre o contrato de seguro e os princípios jurídicos que o regem.

Como Funciona o Contrato de Seguro de Responsabilidade Civil Profissional na Medicina?

Assim como em qualquer outro contrato de seguro, havendo o dano por erro médico, quem suportará o ônus financeiro será a seguradora. Nesse caso, cabe à seguradora indenizar a vítima sempre que a hipótese fática se enquadrar nos termos do contrato da apólice.

A contratação de seguros profissionais está cada vez mais comum no Brasil. Consequentemente, o aumento da adesão diminui o valor do prêmio, tornando o negócio mais acessível e presente em discussões sobre responsabilidade civil.

O Conceito de Responsabiliade Civil na Doutrina Jurídica

A doutrina jurídica conceitua a responsabilidade civil como “a reparação de danos injustos resultantes da violação de um dever geral de cuidado”. Conforme já exploramos em outros textos, a responsabilidade civil tem quatro pressupostos indispensáveis:

  • A conduta: pode ser uma ação ou uma omissão que descumpra uma norma jurídica;
  • O dano: constitui uma lesão a um bem ou interesse concretamente merecedor de proteção jurídica, seja patrimonial (lucros cessantes e danos emergentes) ou extrapatrimonial (honra, privacidade, vida, integridade física);
  • O nexo causal: relação de causa e efeito entre a conduta e o dano;
  • A culpa: elemento subjetivo da responsabilidade civil, que consistente na inobservância de um dever de cuidado, seja pela negligência, pela imprudência ou pela imperícia.

A responsabilidade civil na seara médica não tem previsão específica na legislação civil, seguindo os artigos 186, 187 e 927 e seguintes do Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

O artigo 951 do Código Civil, porém, utiliza o termo “paciente”. Assim, confere uma interpretação restritiva, de modo a ser aplicável apenas a profissionais ligados à saúde:

Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

O erro médico é mais abrangente do que o ato ilícito. Afinal, a sua ocorrência se dá quando, em uma atuação profissional, o médico causa danos injustos aos pacientes mediante uma conduta omissiva ou comissiva contrária ao ordenamento jurídico.

Nas atividades médicas, importa-nos o observar dois pontos indispensáveis, quais sejam:

  1. o dever de observância do princípio do consentimento informado livre e esclarecido do paciente;
  2. e a distinção entre responsabilidade civil subjetiva e objetiva, que incide sobre o profissional liberal e sobre estabelecimentos e clínicas médicas.

Princípio do Consentimento Informado Livre e Esclarecido do Paciente

O princípio do consentimento informado livre e esclarecido do paciente estabelece que todo paciente tem o direito de ter acesso de forma fidedigna a todas as informações sobre os possíveis riscos decorrentes das intervenções e das formas terapêuticas a que será submetido.

De tal sorte, na relação médico-paciente, a autonomia do paciente se efetiva por meio do consentimento informado, livre e esclarecido. Esse consentimento implica oferecer e explicar alternativas terapêuticas, pesar os riscos e benefícios inerentes a cada uma delas. Além de se certificar de que os pacientes tenham compreendido claramente todas as informações prestadas e respeitar sua decisão final.

Caso não se respeite o princípio jurídico, teremos uma hipótese de violação da autodeterminação. A autodeterminação é um direito subjetivo do paciente, razão pela qual a falta do consentimento livre e informado causa a ele um dano de natureza existencial. Importante frisar que esse dano independe de eventuais danos físicos que as práticas não consentidas possam também resultar.

Sobre a não observância do princípio do consentimento informado livre e esclarecido do paciente, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que:

O dano indenizável é, na verdade, a violação da autodeterminação do paciente que não pôde escolher livremente submeter-se ou não ao risco previsível. Deste modo, pelos critérios tradicionais dos regimes de responsabilidade civil, a violação dos deveres informativos dos médicos seria caracterizada como responsabilidade extracontratual. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. (Recurso Especial nº 1.540.580/DF).

Logo, em termos práticos, cabe ao médico, no que tange à observância ao princípio do consentimento informado livre e esclarecido do paciente, a elaboração de termos de consentimento claros, precisos e com informação fidedigna, na medida em que é a informação adequada que permite a livre manifestação do paciente.

Responsabilidade Civil Subjetiva do Médico

Para a lei, a responsabilidade civil do médico é subjetiva, conforme estabelecem os artigos 14, § 4º do Código de Defesa do Consumidor e 951 do Código Civil. Conforme:

Artigo 14, § 4°, Código de Defesa do Consumidor: A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Artigo 951, Código Civil: O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

A responsabilidade civil subjetiva do médico tanto pode se dar pelo ilícito culposo, previsto no art. 186 CC, quanto pelo ilícito sem culpa, decorrente do abuso do direito, nos termos do art.187 CC.

Assim, é possível dizer que a responsabilização do médico se dará toda vez que este, mediante uma conduta omissiva ou comissiva, pratica um ato ilícito, ou seja, uma violação de uma regra de natureza civil por culpa ou abuso de direito, gerando um dano a seu paciente.

A responsabilidade subjetiva dos médicos, todavia, não afasta a responsabilidade objetiva das clínicas e dos hospitais nos quais atuam. Logo, esses estabelecimentos respondem independentemente de culpa pelos atos de seus prepostos no exercício da atividade laboral e que eventualmente venha a causar um dano ao paciente.

Seguro de Responsabilidade Civil Profissional: Seguro Médico

O seguro de responsabilidade civil profissional individual, conhecido pela sigla E&O (errors and omissions), tem sua previsão normativa no Brasil basicamente restrita ao art. 787 do Código Civil, segundo o qual “no seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro”.

Nesse artigo é possível conceituar o seguro de responsabilidade civil profissional como um contrato por meio do qual o médico, na qualidade de segurado, tem seu patrimônio protegido pela seguradora caso venha a ser eventualmente condenado por erro médico no exercício de sua atividade laboral.

A condenação civil por erro médico, portanto, deve ser uma das hipóteses de sinistro previstas na apólice. O objetivo é resguardar dois interesses legítimos: o patrimônio do médico e do próprio paciente que experienciou o dano. Nesse sentido é o Enunciado 544 da VI Jornada de Direito Civil:

Enunciado 544 – O seguro de responsabilidade civil facultativo garante dois interesses, o do segurado contra os efeitos patrimoniais da imputação de responsabilidade e o da vítima à indenização, ambos destinatários da garantia, com pretensão própria e independente contra a seguradora.

Cobertura do Seguro de Responsabilidade Civil Profissional (Seguro Médico)

O referido seguro geralmente cobre tanto danos patrimoniais quanto extrapatrimoniais decorrentes de responsabilidade contratual, objetiva ou subjetiva. Além disso, é possível que o seguro cubra os custos para a defesa do médico no processo de indenização.

Quem é a Parte no Processo? O Médico ou a Seguradora?

Sobre esse tema, existe posição sedimentada no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que merece destaque, qual seja: o enunciado da Súmula 529 do STJ. A súmula estabelece que “no seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano”.

Embora a seguradora arque com o ônus da indenização, o fato de o médico responder subjetivamente implica na discussão da culpa ou do abuso no bojo do processo indenizatório. Desse modo, a ação deverá, necessariamente, ser proposta também em face do médico. Assim, abre-se, no processo cognitivo, a possibilidade de provar a inexistência de culpa médica ou em abuso de direito e afastar o dever de indenizar.

Circular SUSEP nº 637

Em 01 de setembro de 2021, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) publicou importante circular com novos comandos normativos que redefinem o marco regulatório do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional.

Trata-se da Circular SUSEP nº 637, que dispõe especificamente sobre tal modalidade de seguro. A Circular se municia com marcos normativos que merecem atenção, entre os quais o seu art. 4º.

Segundo o artigo 4º, inciso II da Circular 637, “os seguros de responsabilidade civil são classificados, conforme a natureza dos riscos a serem cobertos, nos seguintes ramos: […] riscos decorrentes da responsabilização civil vinculada à prestação de serviços profissionais, objeto da atividade do segurado, são enquadrados no ramo de seguro de Responsabilidade Civil Profissional (RC Profissional).”

Já o artigo 2º da referida Circular traz importantes definições, dentre as quais destacamos as modalidades de contratação:

Art. 2º Para fins desta Circular, são adotadas as seguintes definições:

I – seguro de responsabilidade civil à base de ocorrências (occurrence basis): tipo de contratação em que a indenização a terceiros, pelo segurado, obedece aos seguintes requisitos:

a) os danos ou o fato gerador tenham ocorrido durante o período de vigência da apólice; e

b) o segurado apresente o pedido de indenização à seguradora durante a vigência da apólice ou nos prazos prescricionais em vigor;

II – seguro de responsabilidade civil à base de reclamações (claims made basis): tipo de contratação em que a indenização a terceiros, pelo segurado, obedece aos seguintes requisitos:

a) os danos ou o fato gerador tenham ocorrido durante o período de vigência da apólice, ou durante o período de retroatividade; e

b) o terceiro apresente a reclamação ao segurado durante a vigência da apólice, ou durante o prazo adicional, conforme estabelecido no contrato de seguro;

III – seguro de responsabilidade civil à base de reclamações (claims made basis) com notificações: tipo de contratação em que a indenização a terceiros obedece aos seguintes requisitos:

a) os danos ou o fato gerador tenham ocorrido durante o período de vigência da apólice, ou durante o período de retroatividade; ou

b) o segurado tenha notificado fatos ou circunstâncias ocorridas durante a vigência da apólice, ou durante o período de retroatividade; e

c) na hipótese “a”, o terceiro apresente a reclamação ao segurado durante a vigência da apólice, ou durante o prazo adicional, conforme estabelecido na apólice; ou

d) na hipótese “b”, o terceiro apresente a reclamação ao segurado durante a vigência da apólice, ou durante os prazos prescricionais legais.

IV – seguro de responsabilidade civil à base de reclamações (claims made basis) com primeira manifestação ou descoberta: tipo de contratação em que a indenização a terceiros obedece aos seguintes requisitos:

a) os danos ou o fato gerador tenham ocorrido durante o período de vigência da apólice, ou durante o período de retroatividade; e

b) o terceiro apresente a reclamação ao segurado durante a vigência da apólice, ou durante o prazo adicional, conforme estabelecido na apólice; ou

c) o segurado apresente o aviso à sociedade seguradora do sinistro por ele descoberto ou manifestado pela primeira vez durante a vigência da apólice, ou durante o prazo adicional, conforme estabelecido na apólice. […]

Importante frisar o fato de que, no que diz respeito ao regramento da contratação do seguro à base de reclamações (claims-made basis) com notificação, há uma aparente contradição ao teor do § 1º do art. 787 do Código Civil de 2002. Afinal, na medida em que este dispõe que o médico, tão logo saiba de um evento com as possíveis consequências da indenização, deve sinalizar/notificar a seguradora para que tome as devidas providências.

Importa salientar dois princípios contemporâneos de extrema importância para o contrato de seguro de responsabilidade civil profissional incidem sobre o regramento: o  princípio da boa-fé objetiva e o princípio da função social do contrato.

Princípio da Boa-fé Objetiva no Contrato de Seguro de Responsabilidade Civil Profissional

Os contratantes têm a obrigação de guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

A boa-fé objetiva é um dever de comportamento, um dever de agir conforme os deveres anexos a toda modalidade contratual. No contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, a boa-fé objetiva se traduz na fase pré-contratual. Mais especificamente, a partir do dever do futuro segurado de prestar as informações de forma fidedigna. Afinal, todas as informações do segurado impactarão diretamente no valor do prêmio e no valor da indenização.

Assim, o cumprimento da boa-fé objetiva se dá exatamente pelo cumprimento da boa-fé subjetiva. A intenção do segurado na fase pré-contratual deve ser a de expor todas as informações de forma verídica.

Sobre esse ponto, o art. 765 do Código Civil estabelece que o segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

O art. 766 do Código Civil, por sua vez, trata da boa-fé subjetiva, ao exigir a verdade do segurado nas informações, pois elas influenciam no valor da indenização e até na perda do seguro, na medida em que direcionam a conduta e fixação da contraprestação da seguradora, garantindo-se, assim a simetria da relação jurídica.

Princípio da Função Social no Contrato de Seguro de Responsabilidade Civil Profissional

A função social do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional se manifesta de duas formas. Primeiramente, tem o objetivo de garantir o interesse do médico de proteger seu patrimônio. Além disso, procura reparar prejuízos materiais e/ou imateriais causados ao paciente.

Assim, além de garantir a proteção patrimonial do segurado contra risco de imputação de responsabilidade civil decorrente de má prática em sua atuação profissional, a função social do contrato de seguro de responsabilidade civil tem sua eficácia externa, já que um terceiro está na órbita de proteção do referido contrato.

Garante-se, portanto, o efetivo recebimento pela vítima, na qualidade de terceiro à relação contratual, da indenização a que faz jus como reparação pelos danos injustamente sofridos e causados pelo profissional segurado.

Mas, diante de tantas informações, você saberia, efetivamente, escolher a modalidade de seguro adequada?

O Papel do Advogado na Fase Pré-Contratual

Havendo a condenação do médico, para que o seguro assuma o ônus financeiro, todas as possibilidades deverão estar claras e definidas na apólice. Como exemplo, podemos citar o fato de que as seguradoras geralmente excluem da apólice atos dolosos praticados pelo médico e atos praticados com culpa grave.

Cabe ao advogado definir todas as especialidades médicas contratualmente, bem como todas as possíveis coberturas, uma vez que não há cobertura para aquilo que não tem previsão clara.


Enfim, para não ser pego de surpresa e ficar sem a cobertura securitária, não deixe de consultar advogados especialistas.

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